Ambidestria Corporativa

Ambidestria Corporativa: Transformando Modelos de Negócio para Sobreviver e Crescer no Século 21

O termo ambidestria, que originalmente descreve a capacidade de um indivíduo usar as duas mãos com igual habilidade, aplica-se agora ao mundo dos negócios para designar a capacidade das empresas de gerir simultaneamente a eficiência dos seus negócios tradicionais e a inovação necessária para garantir a relevância futura.

Trata-se da ambidestria corporativa, conceito que tem ganhado destaque nos círculos de gestão e estratégia empresarial, especialmente em um cenário de rápida transformação digital e disrupção dos modelos de negócios tradicionais.

No livro “Ambidestria Corporativa: A Jornada de Transformação dos Negócios e das Empresas”, Luis Rasquilha e Marcelo Veras exploram profundamente o conceito, oferecendo insights valiosos para líderes empresariais que enfrentam o desafio de equilibrar o presente com o futuro.

A obra aborda como organizações podem adaptar suas estruturas e mentalidades para navegar em um mercado cada vez mais complexo e dinâmico. Empresas bem-sucedidas no passado tendem a se apoiar em suas fórmulas comprovadas, mas esse modelo de gestão focado apenas na eficiência operacional e na otimização dos processos existentes se torna rapidamente obsoleto.

Em um mercado que exige agilidade e inovação constante, as empresas precisam aprender a “andar e correr” ao mesmo tempo. Rasquilha e Veras defendem que, para sobreviver, organizações devem equilibrar a exploração de novas oportunidades com a exploração de seus negócios tradicionais.

Essa abordagem ambidestra permite que empresas desenvolvam novas capacidades enquanto continuam a melhorar suas operações correntes. O desafio é cultural e organizacional, já que implica a criação de estruturas paralelas de inovação que não atrapalhem o core business, mas que estejam suficientemente integradas para agregar valor e acelerar a transformação digital.

No centro da ambidestria corporativa está a dicotomia entre exploração (inovação e risco) e exploração (eficiência e controle). Empresas ambidestras são aquelas que conseguem equilibrar essas duas vertentes sem prejudicar uma em prol da outra.

A exploração de novos mercados, novas oportunidades, produtos e mercados pressupõe inovação, experimentação e aceitação de riscos. Este lado da ambidestria é fundamental para a adaptação e a renovação contínua das empresas, permitindo que elas desenvolvam novos modelos de negócios e se mantenham relevantes.

Já a exploração dos recursos envolve a maximização das operações existentes, focando em eficiência, controle e melhoria incremental. Esse lado é responsável por manter o fluxo de caixa da empresa saudável, garantindo que os processos sejam otimizados para máxima rentabilidade.

Um exemplo citado pelos autores é o caso de grandes empresas de tecnologia, como Google e Amazon, que desenvolveram, com sucesso, um modelo ambidestro. Essas organizações não apenas gerenciam suas operações existentes com alta eficiência, mas também investem continuamente em áreas de inovação, muitas vezes criando divisões inteiramente separadas para experimentar novas ideias, transformando as novas tecnologias em novos produtos monetizáveis.

Rasquilha e Veras destacam várias estratégias que as empresas podem adotar para se tornarem ambidestras, incluindo mudanças culturais, estruturais e de liderança.

Aqui estão algumas das principais recomendações:

1. Cultura de Inovação: a base para a ambidestria corporativa começa com a cultura organizacional. Empresas devem incentivar uma mentalidade de experimentação e aprendizado contínuo, onde o erro é visto como uma oportunidade de crescimento. Para isso, é fundamental que a liderança apoie e invista em iniciativas inovadoras, sem punir o fracasso.

2. Estruturas Organizacionais Flexíveis: a criação de unidades separadas para inovação é uma prática comum. Essas unidades operam com regras diferentes, têm orçamentos independentes e não estão sujeitas aos mesmos indicadores de desempenho do core business, possibilitando que ideias sejam desenvolvidas sem as restrições das operações tradicionais.

3. Liderança Ambidestra: líderes ambidestros são aqueles capazes de inspirar e guiar suas equipes tanto na exploração de novos horizontes quanto na eficiência das operações existentes. Eles têm um papel crucial na comunicação da importância de ambos os lados da organização e na alocação estratégica de recursos.

4. Alocação de Recursos: um dos principais desafios da ambidestria é a alocação de recursos entre o presente e o futuro. Empresas precisam desenvolver uma abordagem balanceada, investindo em inovação sem comprometer a saúde financeira do negócio existente.

Aplicando a Ambidestria Corporativa no Varejo

O conceito de ambidestria corporativa tem aplicabilidade direta no setor de varejo, onde a necessidade de inovar e atender às mudanças nos comportamentos dos consumidores é constante.

Empresas de varejo enfrentam o desafio de manter suas operações tradicionais — como lojas físicas — ao mesmo tempo que investem em novas tecnologias, plataformas digitais e experiências de compra diferenciadas.

A Hering, uma das marcas de moda mais tradicionais do Brasil, é um exemplo clássico de ambidestria corporativa no varejo. A empresa tem conseguido se reinventar ao longo dos anos, mantendo sua identidade e eficiência operacional em seus produtos básicos, enquanto investe fortemente em inovação de canais, como a adoção de modelos omnichannel e a expansão digital.

Recentemente, a marca intensificou sua presença no e-commerce e nas redes sociais, criando coleções-cápsulas e parcerias estratégicas que modernizam sua imagem e atraem um público mais jovem. Essa abordagem ambidestra permitiu que a Hering mantivesse sua relevância em um mercado altamente competitivo, sem perder sua essência.

Outra empresa que exemplifica bem a ambidestria no varejo é a Puket. Enquanto mantém sua linha tradicional de produtos e um modelo de franquias bem estruturado, a Puket investe continuamente em inovação, especialmente em coleções temáticas e na integração com canais digitais. Essa estratégia permite à marca explorar novas oportunidades de mercado sem perder a eficiência operacional que a tornou conhecida.

No setor de bebidas, a Ambev exemplifica a ambidestria ao manter a eficiência na produção e distribuição tradicionais, ao mesmo tempo em que aposta no modelo da entrega direta ao consumidor, com o Zé Delivery. Essa iniciativa inovadora não só abriu um novo canal de vendas, mas também aproximou a marca do consumidor final, oferecendo conveniência e personalização.

A Nestlé, por sua vez, investiu nas lojas físicas da Kit Kat como uma forma de explorar novos modelos de interação com o consumidor, trazendo uma experiência imersiva e de personalização ao público.

Essa iniciativa permite que a empresa teste novos sabores, produtos e experiências, funcionando como um laboratório para inovações futuras, sem comprometer sua operação tradicional.

Empresas que conseguem implementar a ambidestria corporativa de forma eficaz colhem benefícios significativos, incluindo maior resiliência, capacidade de adaptação e crescimento sustentável. O livro de Rasquilha e Veras traz exemplos de empresas que se destacam nesse sentido.

A 3M é uma delas. A empresa americana é conhecida por sua cultura de inovação, que permite a seus funcionários dedicarem parte do tempo a projetos pessoais de inovação, gerando novos produtos que frequentemente se tornam novos negócios.

Já a Netflix é um exemplo de ambidestria por sua transição de um serviço de aluguel de DVDs para uma plataforma de streaming global. A Netflix não apenas continuou a explorar seu modelo tradicional enquanto preparava a mudança, mas também soube quando era o momento certo de pivotar completamente para o digital.

A GE, por sua vez, embora tenha enfrentado desafios nos últimos anos, historicamente se destacou pela capacidade de inovar dentro de um setor industrial, lançando novas linhas de produtos e entrando em novos mercados sem comprometer suas operações principais.

A conclusão é que o futuro é ambidestro. Essa é claramente a mensagem central do livro “Ambidestria Corporativa”: as empresas que não conseguirem desenvolver a habilidade de operar com uma visão ambidestra terão dificuldade em se manter competitivas no futuro.

Essa capacidade de equilibrar a exploração do presente com a inovação do futuro é o que diferencia as empresas que prosperam das que simplesmente sobrevivem.

A jornada para se tornar uma organização ambidestra não é simples, exigindo mudanças profundas na cultura, na estrutura e na liderança. No entanto, como mostram Rasquilha e Veras, a ambidestria é essencial para empresas que desejam não apenas responder às mudanças do mercado, mas liderar essas mudanças, moldando o futuro dos negócios.

Em um mundo onde a única constante é a mudança, a ambidestria corporativa se apresenta como um imperativo estratégico, e o entendimento e a aplicação desse conceito podem ser o diferencial necessário para o sucesso duradouro das empresas.

*Carlos Eduardo Padula É CEO do Grupo Brascol e da Rede Le Postiche

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